O roubo às EP através<br>da repartição de receitas dos passes

Manuel Gouveia

Vamos neste breve texto tentar apre­sentar mais uma das ver­dades sobre as Em­presas Pú­blicas de Trans­portes que os ca­pi­ta­listas (e o seu Go­verno, e a sua co­mu­ni­cação so­cial) tentam es­conder dos utentes e dos tra­ba­lha­dores, ver­dades que são au­tên­ticos crimes contra o erário pú­blico.

Fa­lamos hoje da dis­tri­buição das Re­ceitas dos Passes, usando os es­tudos do pró­prio Grupo de Tra­balho no­meado pelo Go­verno, onde se con­firma o desvio anual de mi­lhões de euros das em­presas pú­blicas para as pri­vadas, mas onde de­pois se finge nada ter visto. Todos os dados aqui uti­li­zados constam do «Anexo VIII – Re­par­tição da Re­ceita» e de ou­tras ta­belas anexas a esse es­tudo.

O caso mais evi­dente é a dis­tri­buição das re­ceitas do passe in­ter­modal. Veja-se o Quadro 1, que não deixa dú­vidas sobre este re­sul­tado.

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Aqui, a «Va­ri­ação da Re­ceita Mensal» é o cál­culo da di­fe­rença do que cada em­presa re­ce­beria das re­ceitas do passe so­cial se fosse uti­li­zado o inqué­rito à cir­cu­lação de 2007 e não o de 1989 como ainda hoje acon­tece. Os preços uti­li­zados para este es­tudo são os do 1.º se­mestre de 2011, por isso o se­gundo quadro, onde se cor­rigem esses va­lores, com o au­mento de 15% apli­cado em Agosto de 2011.

Como as con­sequên­cias tornam evi­dente, só há uma razão para que ainda seja usado o inqué­rito de 1989, an­te­rior à ex­pansão do Metro e à re­dução do trans­porte ro­do­viário fruto da sua pri­va­ti­zação: a clara in­tenção de todos os go­vernos (PS, PSD e CDS) de agir em pre­juízo do erário pú­blico e em be­ne­fício dos grupos ca­pi­ta­listas a operar no sector. Que tenha sido pos­sível manter esta prá­tica du­rante de­zenas de anos, mesmo com re­la­tó­rios do Tri­bunal de Contas a exigir a sua cor­recção, é ilus­tra­tivo da im­pu­ni­dade com que o es­bulho do erário pú­blico para os bolsos dos ca­pi­ta­listas tem sido de­sen­vol­vido ao longo da contra-re­vo­lução.

Para que não fi­quem quais­quer dú­vidas: Em 2011, mais de quatro mi­lhões euros que de­ve­riam ter sido en­tre­gues às em­presas pú­blicas foram en­tre­gues às em­presas pri­vadas, par­ti­cu­lar­mente às em­presas li­gadas ao grupo Bar­ra­queiro (a RL re­cebeu cerca de dois mi­lhões e 747 mil euros a mais) e à mul­ti­na­ci­onal alemã DB (a TST re­cebeu cerca de dois mi­lhões e 129 mil euros a mais).

Ora, estes dados de 2007 de­ve­riam ter sido uti­li­zados em 2008, 2009, 2010 e 2011. Só nestes anos fa­lamos de quase 20 mi­lhões de euros des­vi­ados das em­presas pú­blicas para as pri­vadas. E desde 1989 que não se ac­tu­a­liza as ta­belas! São largas de­zenas de mi­lhões de euros!

Mas este anexo re­vela ainda mais dados que ilus­tram como as em­presas pú­blicas têm sido su­gadas pelas em­presas pri­vadas, num pro­cesso con­du­zido po­li­ti­ca­mente pelos di­versos go­vernos do PS, PSD e CDS.

Veja-se, no Quadro 2, a re­par­tição de re­ceitas dos Passes Com­bi­nados do Metro de Lisboa com ou­tras em­presas a operar na AML.

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Sem sur­presa, os va­lores ab­so­lutos e per­cen­tuais mais baixos que o Metro re­cebe são na re­par­tição com as em­presas pri­vadas. Por exemplo, um re­si­dente na Ama­dora que use o passe com­bi­nado do Metro com um ope­rador pri­vado, paga 26 euros ao ope­rador pri­vado por uma des­lo­cação de mi­nutos dentro da Ama­dora, e menos de 10 euros pelo trans­porte em me­tro­po­li­tano da Ama­dora para o centro de Lisboa. E a mesma re­a­li­dade se re­pete com a Carris e a CP.

O mesmo go­verno que, quando se trata de propor o au­mento brutal das ta­rifas de Metro de Lisboa, afirma «Adi­ci­o­nal­mente, o sis­tema de Metro de Lisboa, cujo in­ves­ti­mento ini­cial e custos de ope­ração e ma­nu­tenção são mais ele­vados, é aquele que apre­senta o preço mais re­du­zido», já acha normal que quando se trata de di­vidir re­ceitas com os pri­vados o Metro re­ceba mi­ga­lhas, dei­xando cla­ra­mente à vista as suas op­ções de classe, e quais os in­te­resses que serve: os dos ca­pi­ta­listas!

Estes dados mos­tram ainda como a er­rada po­lí­tica – as­su­mida pelos di­versos go­vernos – de pro­moção dos passes com­bi­nados agiu em pre­juízo das em­presas pú­blicas e em be­ne­ficio das pri­vadas. No Quadro 3, veja-se, a tí­tulo de exemplo, as duas op­ções dis­po­ní­veis na Ama­dora para quem uti­liza pri­o­ri­ta­ri­a­mente a rede da Vi­meca e do Metro.

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Para o utente que na sua des­lo­cação pri­o­ri­tária apenas usa a Vi­meca e o Metro, o passe com­bi­nado ML/​V1 apa­rece como uma al­ter­na­tiva 10 euros mais ba­rata do que o passe in­ter­modal que lhe dava acesso a esse ser­viço, ainda que per­dendo o usu­fruto da res­tante rede na Coroa 1. Quer o Metro quer a Vi­meca be­ne­fi­ciam da saída deste cli­ente do passe in­ter­modal, ainda que em partes muito de­si­guais: o Metro be­ne­ficia quatro euros e a Vi­meca be­ne­ficia quase 21 euros. Mas o que este «be­ne­ficio» do Metro es­conde é que o con­junto das em­presas pú­blicas perdem mais de 21 euros, por pas­sa­geiro, por mês. E assim em cada caso de passes com­bi­nados de um ope­rador pú­blico com um pri­vado!

Ora, fruto da po­lí­tica se­guida pelos di­versos go­vernos, de au­mento pro­gres­sivo de passe in­ter­modal e pro­moção dos com­bi­nados, 50% dos utentes já aban­do­naram o passe in­ter­modal para passar a uti­lizar o passe com­bi­nado, num pro­cesso que re­pre­sentou uma nova trans­fe­rência de mi­lhões de euros de re­ceita que de­veria en­trar nas em­presas pú­blicas e é des­viada para as em­presas pri­vadas. E para quem tenha dú­vidas da pa­ter­ni­dade e lon­ge­vi­dade deste pro­cesso, leia-se o preâm­bulo ao De­creto-Lei 8/​93, era pri­meiro mi­nistro Ca­vaco Silva: «Com o pre­sente de­creto-lei pro­cura me­lhorar-se o re­gime de tí­tulos de trans­porte em vigor, in­cen­ti­vando a cri­ação de tí­tulos de trans­porte com­bi­nados...».

Para ter­minar, um outro dado, re­la­tivo à dis­tri­buição das re­ceitas dos passes com­bi­nados que en­volvem a Fer­tagus. Como é pú­blico, esta ope­rador teve per­missão do Es­tado para ficar fora do passe in­ter­modal, em pre­juízo dos utentes e em be­ne­fício pró­prio. O que não tem tido di­vul­gação pú­blica é a forma como são dis­tri­buídas as re­ceitas dos passes com­bi­nados entre a Fer­tagus e os ope­ra­dores pú­blicos. Veja-se o Quadro 4 e anote-se a forma sim­ples como se ga­rante re­ceitas avul­tadas para os pri­vados.

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E também assim se foi fi­nan­ci­ando as em­presas pri­vadas com as em­presas pú­blicas! E o Go­verno, fa­zendo-se cego aos pró­prios nú­meros que tem em seu poder, e fa­zendo dos ou­tros parvos, ainda con­segue dizer no do­cu­mento final da Se­cre­taria de Es­tado de Trans­portes e Co­mu­ni­ca­ções que «A al­te­ração das re­gras de dis­tri­buição das re­ceitas dos passes in­ter­mo­dais é ne­ces­sária para cor­rigir uma dis­torção que vi­gora há dé­cadas em pre­juízo dos ope­ra­dores pri­vados.» É pre­ciso não ter ver­gonha!

 



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